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Caminhoneiros: bandeirantes do arquipélago



Tem mais caminhoneiro brasileiro trafegando nas estradas e rotas do arquipélago do que imagina nosso vão conhecimento do Japão. Eles estão concentrados principalmente nos eixos Kansai/Chubu/Kanto/Toyama, onde existe um grande fluxo e uma intensa movimentação de carros usados para exportação, que liga leilões desses veículos e portos regionais. Toyama é a principal saída para esse tipo de carro para a Rússia. Yokohama e Nagoya dão vazão para América Latina, Índia, Romênia e alguns outros países da Europa, segundo dados apreendidos junto aos caminhoneiros brasileiros. Além disso, os brasileiros transportam de tudo.A figura do caminhoneiro é tão antiga no Japão quanto o movimento dekassegui. Há profissionais atuando nessa profissão com até 14 anos de estrada, dirigindo enormes carretas cegonheiras, que chegam a conduzir até 30 toneladas de carga. Como bandeirantes do arquipélago, provavelmente foram esses que chegaram a locais tão distantes quanto os extremos de Kyushu e Hokkaido, quando ainda não havia nem sinal de brasileiro trabalhando em fábricas nessas regiões.Entretanto, a vida e o trabalho desses caminhoneiros brasileiros não deixam de ser menos difíceis ou menos sacrificados do que os dos que optaram por trabalhar na linha de montagem das fábricas japonesas. Mas o motivo por que cada um deles escolheu seguir literalmente esse caminho tem um quê de sonhador e idealista: a busca da liberdade. A liberdade do ar livre, da paisagem, do sakura, do kooyoo das montanhas e da aventura. A maioria não conseguiu se adaptar à rotina mecânica das fábricas, e foi buscar sua vocação.Apesar de não haver dados oficiais sobre o assunto, não são poucos os brasileiros que estão aí pelas estradas japonesas, transportando todo tipo de carga. Desde carros até adubo à base de peixe, materiais de construção, pó de serragem para usinas termoelétricas etc. Enfim, levando qualquer coisa pelo Japão afora. Uma estimativa entre os próprios caminhoneiros pode mostrar que há muito compatriota vivendo do suor da estrada e das distâncias. Talvez 100 ou 200. Provavelmente mais. Muito mais, formando uma comunidade móvel e fazendo do Japão uma festa. Uma festa verde-amarela.A força dos brasileirosApenas um dos cerca de 16 caminhões de grande porte da unsogaisha Shingai Union é dirigido por japonês. O restante dos funcionários da empresa é formado por motoristas brasileiros, responsáveis pela duplicação da produtividade da empresa nos últimos dez anos. O primeiro a admitir o fato é o próprio presidente da transportadora, o japonês Toshio Shingai, 59, que começou com um negócio de transporte autônomo, no qual ele era o único motorista.A atividade da transportadora japonesa tem sua base de atuação na região de Kanto, mas recentemente começou a atender clientes em todo o Japão, chegando até a província de Oita, em Kyushu, quando uma subsidiária da Daihatsu, que ficava em Maebashi, se transferiu para aquela região. Hoje, transporta carga para outras regiões do país periodicamente.Ele explica que, até o fim da bolha econômica japonesa, no início da década de 90, as empresas de transporte eram obrigadas a trabalhar apenas para uma empresa. Atualmente, ele atende a várias subsidiárias e fabricantes de autopeças, como Daihatsu, Honda, Toyota, trabalhando com qualquer empresa, em qualquer lugar do Japão, graças a essa mudança na legislação japonesa. Antes, só trabalhava com a Subaru.Apesar de só há cerca de oito anos a Transportadora Shingi ter se certificado como tal, a contratação de brasileiros teve início por volta de dez anos atrás, através da aquisição de Dermeval Pereira, 48, como motorista. Depois disso, os brasileiros começaram a ser admitidos, conforme relata o senhor Toshio Shingai. Segundo ele, isso aconteceu de forma absolutamente ao acaso. No início, não havia nenhuma intenção de contratar apenas brasileiros. Mas as condições do trabalho acabaram fazendo com que a empresa ficasse com um quadro só de brasileiros.“Na época, faltavam motoristas, e anunciávamos em jornais e revistas de procura de emprego, mas o resultado não era bom. No momento vinha muita gente querendo o trabalho. Desses, sobrava apenas um empregado em média. O resto pedia demissão em menos de alguns meses. Foi quando Pereira me foi apresentado por um amigo. Eu pensei que, se ele conseguisse ficar por pelo menos três meses, já valeria sua contratação, e ele já está há cerca de nove anos na empresa. E, ao contrário do que eu pensava, acabou sendo meu melhor funcionário”, relata com expressão de admiração o empresário japonês.Shingai justifica a falta de entusiasmo dos japoneses pela profissão de caminhoneiro. Conforme ele, o trabalho na área de transporte, um tempo atrás, era considerado muito próximo do trabalho 3Ks (kiken, kitanai, kitsui), em função do longo período de trabalho, considerado pesado e muitas vezes considerado sujo. “Os jovens trabalhadores japoneses de hoje querem fazer um trabalho mais tranqüilo e limpo e com bom salário. Mas, como nosso trabalho é completamente o contrário, eles ficavam por um período e acabavam desistindo do emprego”, conta ele.Para ele, o brasileiro tem algumas vantagens sobre o japonês. “O principal é o pensamento da maioria de que veio para trabalhar no Japão. Tem o pensamento objetivo firme e claro nesse sentido. Ao contrário do japonês, que logo desiste e vai procurar outro emprego. Por isso, o brasileiro tem um pouco mais do que nós chamamos de gambaria. Para compensar a falta de comunicação, o brasileiro, de qualquer modo que se veja, tem mais força e vontade de trabalhar. O trabalho em grande parte não é tão pesado, mas muitas vezes exige força, porque a carga e a descarga são feitas pelo motorista. No caso de um caminhão de 7 toneladas, são necessárias duas horas para carregá-lo. Na maiorias das vezes, outros funcionários do local vão ajudar.Ele diz que o brasileiro tem mais power (força) do que o japonês. Quando Pereira foi pela primeira vez, carregou sozinho uma geladeira de 120 quilos. “Uma dessas industriais, chegam a pesar cerca 108 quilos, e a mais leve, perto de 76 quilos. Mas quando o peso do equipamento chega a 120 quilos, um japonês pesando em torno de 60 a 79 quilos dificilmente consegue levantar um peso desse sozinho”, conta o japonês, de novo mostrando admiração.“O cliente viu essa proeza e achou incrível, chegou a me telefonar, dizendo que tinha um cara incrível ali, e pediu que da próxima vez mandasse esse mesmo funcionário para fazer a entrega. É nesse momento que o brasileiro mostra sua raça. O brasileiro enfrenta qualquer tipo de trabalho de forma admirável e faz o serviço sem problemas”, argumenta.“Desde então, a clientela e os pedidos de serviço para nossa transportadora começaram a aumentar cada vez mais. Passaram a ver que os brasileiros trabalham de forma muito séria e a encomendar nossos serviços, chegando a dobrar o pedido de transporte nesses últimos dez anos”, relata o empresário japonês. “Atualmente, verifica-se que tem aumentado muito o número de brasileiros e latino-americanos nas fábricas japonesas, mas como em nossa empresa eu acho difícil”, conclui. Atualmente, Pereira é o braço direito e o homem de confiança do presidente da empresa, Toshio Shingai, há três anos.De ponta a pontaApesar de ter retornado à empresa há alguns meses, Francisco Lima, 38, é o decano entre os motoristas brasileiros de caminhão no Japão. Está trabalhando na transportadora pela segunda vez, depois de trabalhar pela Suzan. Paulista da capital, ele está no Japão há 16 anos. Do Brasil, trouxe a experiência de ter trabalhado com terraplenagem. Além de Pereira, ele é o veterano entre os motoristas compatriotas da transportadora, com 14 anos de boléia. O restante não chega a ter de dois a três de experiência na estrada.Ele conhece o Japão de ponta a ponta – do extremo sul de Hokkaido (Kitano) a Kagoshima, em Kyushu. Só não foi para Okinawa. Também já carregou de tudo, desde maquinários até material de construção civil. Apesar da carga pesada, muitos dias fora de casa e poucas horas de sono, Lima não vacila ao optar pela liberdade das estradas. “Depois que deixei a linha de montagem, minha vida melhorou 100%. Na fábrica, eu me sentia meio preso. É todo dia a mesma coisa. Conclui que, se continuasse ali, ia enlouquecer”, afirma.Na viagem mais longa que fez em sua carreira no arquipélago, Lima ficou cerca de um mês na estrada, em 1996, transportando uma miscelânea de carga. Nessa época, já morava em Ota (Gunma), de onde partiu para Kagoshima (Kyushu), transportando material de construção pré-fabricado. Foram cerca de 12 horas de viagem, “por baixo”, evitando as cancelas dos pedágios das auto-estradas. Retornou para Yokohama (Kanagawa) com 2 toneladas de arroz. Foi para Kawasaki, na cidade vizinha, para carregar 10 toneladas de molde de chapa de aço, para depois seguir para Niigata.De Niigata, carregou 9 toneladas de máquinas industriais para levar para Okayama, de onde carregou 12 toneladas de galões de produtos químicos para descarregar em Shizuoka. Saiu de lá carregado de caixas de salgadinho para Osaka. Foi vazio até Mie, onde carregou 12 toneladas de mais material de construção, para seguir em direção às gélidas terras de Omori, no norte do Japão. Depois, transportou uma carga de 36 jetskys para exportação no Porto de Yokohama, e só depois voltou para casa. Ufa! (MK)Los tres amigos - Brasileiros que fazem da atribulada vida de caminhoneiro uma via para a solidariedade e a amizadeApesar de relativamente novos na profissão, a paixão pela estrada e o gosto pela boleia do caminhão asfaltaram uma forte amizade e um grande companheirismo entre os brasileiros Kenso Sugii Filho, 31, Marcelo Nagamatsu, 33, e Reginal Ichiro Santos Komatsubara, 36, no Japão. Um foi puxando o outro, e agora os três trabalham na mesma empresa compatriota, de transporte de carros usados no eixo Toyama/Kanto.Sugii, 31, como os outros dois companheiros, é novato nas rotas do arquipélago, trabalhando há cerca de dois anos e meio no métier. Mas foi tempo suficiente para que as muitas horas de trabalho fora de casa, semanas sem retornar, nas andanças pelas rotas e ruas da Terra do Sol Nascente causassem a separação, há cerca de um ano. Ele estava casado com Angélica havia perto de nove anos. Ela hoje vive no Brasil com os dois filhos, Kenso, 9, e o caçula, Yuri, 3. Ossos do ofício, como diria o filósofo.Restou apenas outra família para ele no arquipélago: a dos dois amigos. Sugii vive no Japão há cerca de 12 anos. Mora em Imizu (Toyama) há cerca de cinco, ao passo que Nagamatsu mora em Oizumi (Gunma) e Komatsubara, em Isesaki, na mesma província. Assim fica uma base em cada uma das pontas da linha de transporte. Quanto Sugii está pela região de Kanto, fica na casa de um dos amigos, e vice-versa. Os dois também têm onde ficar quando estão na região de Toyama, onde é a sede da transportadora Yamashiro Lift, para quem trabalham.Sugii é uma figura agitada e falante. Hoje sem qualquer motivo para voltar a sua casa, diz que praticamente vive na estrada. “Agora eu não tiro mais folga. Trabalho direto. Domingo, eu estou rodando. É difícil parar. No feriado do golden week mesmo folguei apenas dois dias, quando fui para Oizumi, e fiquei na casa d Nagamatsu. Em minha casa mesmo eu não volto, ela é uma bagunça. Não passo nem para lavar roupa. É mais comum fazer isso no posto. Deixo na máquina lavando enquanto tomo banho. Depois coloco um varal no caminhão para secar”, conta o caminhoneiro brasileiro, relatando sua atribulada vida nas rotas japonesas.Komatsubara, apesar de ter recentemente conseguido tirar a carta de ogata, para dirigir caminhões de capacidade maior do que 4 toneladas, é um veterano das estradas, cuja experiência já vem desde o Brasil. Apesar de estar há 15 anos no país, sem retornar para terras brasileiras, só recentemente teve a oportunidade de deixar as linhas de montagem das montadoras de automóveis para retomar a sua antiga profissão, através de Nagamatsu. Ele diz que não vacilou nem um minuto quando chegou a oportunidade, apesar de saber da dura rotina da estrada.A entrevista com os caminhoneiros praticamente foi, como diriam os americanos, “on the road”: na estrada. Na ocasião da conversa com Komatsubara e Sugii, era um dia no início de maio, e eles tinham acabado de carregar o caminhão de carros comprados de um leilão em Yokohama, para voltar à estrada. Nessa época, Komatsubara ainda não tinha carta de ogata e vinha seguindo Sugii num caminhão pequeno para entrega no porto da capital de Kanagawa, de onde pegaria outro caminhão para ser exportado para a Rússia, no Porto de Toyama.Era por volta de 6 horas quando a dupla de motoristas brasileiros chegou em Yokohama. Komatsubara vinha como aprendiz, conhecendo os caminhos dos leilões de carros. Eles haviam saído de Toyama por volta das 14 horas do dia anterior. Como os caminhoneiros preferem a noite para evitar o tráfego nas rotas e vias de acesso, costumam dormir de dia. “Parei lá pelos lados de Nagano para tirar uma soneca no caminhão e cair na estrada no início da noite”, afirma. Sugii dorme uma média de quatro a cinco horas por noite. Como a maioria dos caminhoneiros recebe uma porcentagem da carga, quanto mais cargas carregarem, maior é o salário no fim do mês.Apesar de terem vindo juntos, o retorno será separado. Depois de Chiba, Komatsubara vai pegar outro caminhão de 4 toneladas, que deverá ser exportado para a Rússia pelo Porto de Toyama, mas antes deve seguir para Isesaki, onde mora, para tomar um banho e rever a família, que não vê há alguns dias, e dormir um pouco para seguir à noite para seu destino.Já Sugii deve seguir viagem até a região de Honjo e estacionar o caminhão numa loja de conveniência especial para carretas e para também descansar até chegar a noite para pegar a estrada, por volta da meia-noite. Espera chegar em Toyama por volta das 6h30, 7 horas da manhã, para descarregar. Como a carga é de um cliente só, não terá problemas para a entrega. Deverá terminar o serviço cedo, coisa rara em seus já três anos nessa profissão, para voltar à sede e pegar uma nova ordem de carga. Com tempo disponível, poderia até dar uma passada em casa, onde não retorna há várias semanas, e depois partir para novo destino. A vida de uma moto contínua infinita.Mas, na maioria das vezes, “fazer uma carga” é mais complicado, já que é preciso percorrer vários leilões para completar o caminhão, voltando para depois fazer uma via-crúcis de entrega em vários clientes. Retornar com carga incompleta é sempre prejuízo. Os clientes são, na maioria, paquistaneses. Eles é que dominam a exportação de carros usados para a Rússia pelo Porto de Toyama. Com bom contato, eles vendem para os russos, que fretam navios de seu país para vir ao Japão buscar a carga com encomenda antecipada. “Negócio da china”, avalia Sugii.Novato veteranoReginal Ichiro Santos Komatsubara, 36, conseguiu pegar sua carta de ogata, licença para dirigir caminhões acima de 4 toneladas, no início de junho, e finalmente conquistou o direito de dirigir sua cegonha. Há menos de quatro meses na empresa, já estava com uma cegonha a sua espera, aguardando apenas concluir os exames. Há 15 anos no Japão, ele é de Pereira Barretos, no interior do estado de São Paulo, onde já trabalhava como caminhoneiro.De família de caminhoneiros, ele começou cedo na boléia do caminhão. Antes de tirar a carta, já acompanhava os tios pelas estradas do interior paulistano. Profissionalmente, começou com 20 anos, trabalhando no corte de cana na região de Pereira Barreto. Antes de vir para o Japão, já havia deixado os canaviais para trabalhar com transporte de cereais, cebola, feijão etc., no eixo das cidades Rio Verde (Goiás) e Três Lagoas, para onde havia se mudado, depois de vários anos transportando cana-de-açúcar.Até há pouco tempo, Komatsubara trabalhava com empilhadeira na linha de montagem da empresa que fornecia autopeças para a Subaru, em Maebashi. “Estava doido para voltar a cair na estrada e retornar à antiga profissão. Kaisha (fabrica, em japonês) não dá, não. Eu estava só esperando a oportunidade para retornar à liberdade das estradas de rodagem.” Ele tem dois filhos: Gabriel, 7, e Gabrieli, 9, todos nascidos no arquipélago.Filho de caminhoneiro, Marcelo Nagamatsu, 33, trabalha na profissão há cerca de quatro anos. Antes de cair na estada, trabalhou por dois anos dirigindo um caminhão de 10 toneladas, fazendo transporte para a Sagawa Takyubin. Há 15 anos morando no arquipélago, está faz um ano em Oizumi (Gunma), para onde se mudou de Toyota (Aichi) em função do trabalho como caminhoneiro. A mudança lhe permite ver a família por dois ou três dias por semana. Mas é claro que, às vezes, esse tempo pode se estender por até uma semana. Faz parte da opção de trabalhar como caminhoneiro de carga pesada. Toda liberdade tem seu preço. Ele tem duas filhas: Sayuri, 9, e a mais nova, Ayana, 6.Desafio das ruas e estradaAs carretas de transporte de carro são verdadeiras monstruosidades sobre rodas que alternam viagens nas amplas e confortáveis rotas rodoviárias às estreitas ruas das cidades japonesas, num malabarismo de muita perícia e coragem. Chamadas de “cegonhas” no Brasil, esses caminhões são denominados toreras no Japão.Carregadas, chegam a pesar mais de 30 toneladas, medindo até 4,20 metros de altura e cravando mais de 16 metros de comprimento.Só vendo para poder imaginar um veículo dessas dimensões nas ruas urbanas do pequeno arquipélago japonês, que esses caminhões têm de percorrer até chegar a seu local de carga ou de descarga. Um veículo desses usado pode ser avaliado em uma média de ¥ 1,5 milhão, e seu shaken bianual pode chegar de ¥ 500 mil a ¥ 700 mil. Um caminhão desse tipo novo chega a custar na ordem de ¥ 24 milhões.Veterano de estrada no Japão, o gaúcho de Porto Alegre Evald Ottoni Ianner (Tony Gaúcho), 42, diz que nunca bateu seu caminhão, mas admite que teve complicações nos primeiros meses de carta para percorrer as diminutas ruas de cidades do interior japonês. Não precisa estar em cidade do interior para se deparar com tais ruazinhas. Ele diz que em Nagoya (capital da província de Aichi) errou uma manobra e ficou atolado cerca de uma hora para conseguir dar vazão a seu caminhão. E não se pode dizer que em Tokyo (a capital japonesa) as ruas sejam amplas. Comparadas com as dos Estados Unidos, são verdadeiras arapucas para veículos de grande porte.Com oito anos de boléia no país, ele também é caminhoneiro da turma de Toyama, fazendo as rotas Hokuritsu, Chubu e Kanto. Mas o transporte principal gira em torno da região do eixo Toyama/Nagoya. “Hoje eu só faço uma manobra quando tenho certeza do que estou fazendo. Qualquer dúvida, é melhor parar o caminhão e ver o que está acontecendo”, afirma. Ele tem um clube de caminhoneiros no Orkut – Carga Pesada.A turma da caixinha - os caminhoneiros que modulam no radioamador e são companheiros de carne e ossoNo início de junho, Seo Totô, Alemão, Mineiro e Animal subiram em comboio de Osaka para Nagoya. Não raro, a turma da caixinha se encontra pela estrada para um tête-à-tête, em vez das conversas quase diárias pelo radioamador a bordo da boléia dos caminhões brasileiros. Esse artifício serve para quebrar a solidão e principalmente para espantar o sono durante as longas viagens em meio à monotonia das madrugadas na estrada.Logicamente, esse grupo representa apenas uma parte do coletivo que modula na faixa dos 430 a 800 MHz. Ao todo, segundo estimativa do grupo, reúnem-se de 30 a 50 caminhoneiros brazucas do eixo Kansai–Chubu/Toyama. Seo Totô é um dos mais peculiares do grupo. Nascido Gilson Rodrigues Toleto, 34, recentemente virou avô. O batismo do apelido ele atribui ao único filho e orgulho do papai, Maxwel Fujioka Toledo, 15, que está no Brasil num tratamento de saúde. Foi com a mãe, Eliane, no fim do ano passado, que acompanha a filha, Bárbara, que foi dar à luz no Brasil.Do grupo da caixinha, Lincoln Nishimura (Alemão), 34, e Kenji Jorge Hosaki (Vagalume), 41, são os dois grandes veteranos entre os caminhoneiros brasileiros da região. Alemão tem 13 anos de estradas japonesas e mora em Nagoya (Aichi) em tempo equivalente. Vagalume, que começou a trabalhar transportando material de construção para a reconstrução de Kobe depois que a cidade sofreu o grande terremoto, em 1995, tem 11 anos no ramo dos transportes no arquipélago. Também mora em Yatomi, ex-bairro de Nagoya, há dez anos. Dos dois, apenas Seo Totô é cegonheiro, trabalhando com transporte de carros usados para exportação.Entre um “positivado” aqui e outro “rapaiz” acolá, Seo Totô fala da vida no Japão e da dureza da profissão. Diz que faz o que gosta, apesar da vida difícil de caminhoneiro. Está no Japão há 14 anos, e, como sua família está toda no Brasil, não tem muitos motivos para voltar para casa.“O artista diz que, quando se gosta do que faz, se é feliz. É meu caso. Fumo na hora que eu quero. Durmo na hora que quero. Faço o que quero: xingo, grito aqui dentro (da boléia) e ninguém ouve nada. A liberdade e a privacidade são melhores do que numa fábrica. Sou como uma tartaruga. Levo a casa nas costas. Positivado! Gosto da rodovia. Só não gosto de um bode que tem por aí, que não sabe dirigir, mas do resto... Gosto do Japão. É até melhor do que o Brasa (o Brasil)”, fala eufórico o brasileiro, com um sotaque bastante peculiar.Ele está há oito anos trafegando pelas estradas japonesas. Começou transportando material de construção civil num caminhão de 4 toneladas. Atualmente, trabalha como autônomo, dirigindo o próprio caminhão – uma carreta cegonheira. Nesse período, já teve 14 caminhões próprios. O atual é um Nissan, motor de 320 cc, usado, avaliado em ¥ 1,5 milhão, sem shaken, com capacidade para carregar sete carros. O de oito é o maior. O pagamento da licença bianual do veículo acrescenta cerca de ¥ 500 mil a ¥ 700 mil ienes ao valor da carreta.Ele começou sua comunicação através do radioamador quando passou a trabalhar com “pescoço mole” (cegonha), há cerca de cinco anos. “Tem muito brasileiro na caixinha. Só eu conheço uns 30. A maioria é toda de caminhoneiros brasileiros, mesmo dirigindo caminhões de 2, 4 toneladas, e até carretas e cegonhas. Quem não é mesmo só o Cara de Gato e o Mosquito. Só na rota Nagoya/Toyama tem uns 20. Na caixinha a gente vai perturbando um ao outro para perder o sono”, diz, zombeteiro.Voltar para casaAlemão é o churrasqueiro da turma da caixinha. Volta e meia assa uma carne em Handa (Aichi), onde reúne os caminhoneiros que estão na área. O encontro está cada ano mais famoso. Até caminhoneiros que nunca foram sabem do acontecimento, que vira notícia na caixinha. Pelo menos no eixo Chubu/região de Toyama, os motoristas brasileiros formam uma rede de amizade, e a maioria se conhece e sabe onde cada caminhoneiro está atuando. Quem deixou a profissão, quem está em dificuldades etc.Com tanto tempo na estrada, Alemão diz que já transportou todo tipo de carga. No dia da entrevista, estava carregando 200 litros de tinta para levar de Osaka para a região de Aichi. É comum também transportar sacos de polietileno, maquinários etc. Começou a carreira com um caminhão de 4 toneladas, carregando pneus. Diz que “teve um problema de salário baixo” e foi “falar diretamente com meu shachyo (presidente da empresa), aí ele me disse: ‘Vai lá para a transportadora, pegar no brabo’, e me jogou direto aqui”, para trabalhar com caminhão acima de 7 toneladas, relata.“Rapaz, o trabalho aqui é meio puxado. Tem hora que precisa pegar umas coiseras, eu vou te contar, hein...”, comenta Alemão sobre a vida dura da profissão. Mas ele diz que se acostumou, e não trocaria o caminhão por nada neste mundo.“Mas com certeza, eu prefiro a estrada do que ficar preso numa fábrica. Eu peguei direto aqui é essa tal de linha (de montagem). Aquela correria toda. Na solda já não me dei muito bem. Depois que eu consegui esse emprego aqui, foi muito bom, demais da conta”, relata, aliviado.A pior carga que levou até hoje foi ração em sacos de 50 quilos, e diz que açúcar também é um transporte complicado. “O duro é carregar tudo no braço e sozinho. O negócio da ração era feito de peixe. Aquele fedor. Chega no lugar, tem de descarregar e vai embora. Depois, tive de trocar a roupa no caminhão, no meio da estrada, e jogar a usada fora. Açúcar também não é mole. O saco pesa 25 quilos. A unidade é leve, mas complicada é a quantidade. E se você pega no verão, debaixo do sol, Deus me livre! Não dá para agüentar, não. É brabo, hein”, comenta o caminhoneiro brasileiro.“Gosto de andar de caminhão no Japão. Eu me acostumei muito bem aqui. Adoro mesmo andar para lá e para cá. É sempre novidade para a gente. Sempre conhecendo um lugar diferente. Gosto das paisagens. É muito bonito o arquipélago. Pelos lados de Yamanashi também eu gosto de ir. A gente vai pela Rota 19, pega a 20 e vai andando pela beira do rio toda a vida. É muito bonita aquele região. No inverno é bom ir para Toyama. As montanhas ficam muito bonitas. Tudo cheio de neve. É uma região meio arriscada para quem anda na estrada. Mas perigo a gente corre todos os dias. A segurança está na experiência do motorista”, afirma. “O bom desse meu trabalho é poder voltar para casa quase todo dia. Eu não fico muito no caminhão”, diz. Fato não muito comum na profissão. “Eu tenho filhos pequenos. Gosto de voltar para o lar”, diz, satisfeito.Vagalume dirige uma carreta de pranchão da Nissan, 28 toneladas, de dois eixos, de 16 metros de comprimento, e está para promovido para um caminhão de três eixos. O atual tem motor 440 turbinado intercooler, automático com opção para manual. “Na conversação dos motoristas, carreta de câmbio automático é caminhão de aleijado”, informa, bem-humorado. “Mas eu não me importo, não. Prefiro o automático. Menos preocupação.”Trabalha há um ano e dois meses na empresa de transportes Waisu, de Hekinan (Aichi), que conta com 48 caminhões. Tem mais dois brasileiros que trabalham com carreta nessa empresa. Ao todo, ela emprega 15 brasileiros, alguns que dirigem carregadeiras nos depósitos.Vagalume diz que conversa muito na caixinha. Ele é contumaz freqüentador dos churrascos organizador por Alemão. No verão, o evento é geralmente realizado numa praia, aonde vão até as famílias dos caminhoneiros. O sinal é dado pelo radioamador. Os motoristas que estiverem na região também estão liberados para participar. Ele diz que, antes da Copa do Mundo de 2002, a turma modulava num aparelho de freqüência mais poderosa. “A gente conversava com colega até do Brasil”, informa. Mas receberam um comunicado da polícia para trocarem de caixinha, já que a anterior interferia nas transmissões de rádios oficiais. (MK)Matando a saudadeA filosofia popular dos pára-choques de caminhão do Brasil• Em terra de cego, quem tem um olho é caolho.• Se ferradura desse sorte, burro não puxava carroça.• Tudo que é bom na vida ou faz mal ou é pecado.• Mulher feia é igual a ventania, só quebra galho.• Enviuvei e casei com a cunhada para economizar sogra.• Sorte é de Adão, não tinha sogra nem caminhão.• Segredo entre três, só matando dois.• Filho é igual peido: você só agüenta o seu.• Por falta de roupa nova, passei ferro na véia!• Mulher é que nem lençol: da cama para o tanque, do tanque para a cama.• Quem dá aos pobres tem de pagar o motel!• Os últimos serão desclassificados!!!• Existem duas coisas de que não gosto: mulher gelada e cerveja quente...• Perigo não é um cavalo na pista, é um burro na direção.• Prefiro ser um bêbado conhecido do que um alcoólatra anônimo.• Cana na roça é pinga; pinga na cidade é cana.• Se correr o guarda multa, se parar o banco toma!• Se barba fosse respeito, bode não tinha chifre.• Se tamanho fosse documento, o elefante era dono do circo.• Em rio de piranhas, jacaré nada de costas.• A única mulher que andou na linha o trem pegou.• A mulher foi feita da costela... imagine se fosse do filé.• Beijo não mata a fome, mas abre o apetite.• Existo porque insisto.• Se casamento fosse bom não existiria divórcio.• Beijo é igual ferro elétrico: liga em cima e esquenta embaixo.• Pobre só enche a barriga quando morre afogado.• Estrada reta é igual a mulher sem cintura, só dá sono.• Não tenho tudo o que amo, mas amo tudo o que tenho!• Antigamente eu dava um boi por uma briga. Hoje, brigo por um bife.• Se casamento fosse estrada, eu só andava no acostamento.Alguns tipos de carta (menkyo)1. Carro automático (AT menkyo)2. Carro manual: tem permissão para dirigir caminhão com até 4 toneladas3. Carta para motorista de táxi (futsu nishiyu)4. Carta para caminhão grande (ogata): acima de 4 toneladas*6. Carta para carretas (ogata tokushu)7. Carta para ônibus de linha (ogata nishiyu)*Obs.: existe a previsão de que, no ano que vem, seja criada mais uma licença intermediária, entre 4 mil toneladas e 8 mil toneladas. Só posteriormente tirar a carta de ogata. A medida visaria a dificultar que o motorista passe de uma carta manual comum para uma licença de caminhão de grande caladoGlossário da caixinha1. Caixinha: radioamador2. Cadeira de roda: caminhões pequenos, de até 4 toneladas3. Dona da cantina: esposaSul Real ProdutosA Sul Real Produtos Brasileiros é uma cooperativa de três caminhoneiros brasileiros, Giovani Migazaki, 34, Eduardo Araújo, 37, e Donizete Panzani, 32, o fundador da empresa. Existe há cerca 12 anos e está localizada em Ota (Gunma).O trabalho desses profissionais é percorrer a região de Kanto em busca de brasileiros distantes para venda de produtos da terra natal. Ou levar produtos brasileiros a pequenos agrupamentos da comunidade que não têm tempo, em função da fábrica, de se deslocar até a região de Oizumi para fazer compras. (MK)