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Lições de imigrantes

O que cada um de nós pode aprender com os 98 anos da imigração japonesa no Brasil e os 16 anos do movimento dekassegui no Japão

Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil

As raízes de uma planta ficam enterradas, escondidas. Servem para fixar e, ao mesmo tempo, extrair os nutrientes da terra. Cada um de nós, descendentes de japoneses, tivemos a sorte de contar com duas raízes: uma no Brasil e outra no Japão. Isso significa que temos a essência de duas culturas em nós. Somos capazes de ter o jogo de cintura do brasileiro e a disciplina dos japoneses. No dia 18, nossas raízes completam 98 anos. Naquele longínquo ano de 1908, 165 famílias pioneiras, que totalizam 781 dekasseguis, desembarcaram do navio Kasato Maru, no porto de Santos. Ali começava a imigração japonesa no Brasil. Ali começava nosso elo de ligação com o Japão. Essa ligação continua, e se aprofunda, até hoje. Por isso, as lições deixadas pelos imigrantes são tão valiosas aos dekasseguis, que repetiram a trajetória inversa dos seus antepassados.

A imigração japonesa é recheada de emocionantes histórias de superação. Uma das mais dramáticas foi, sem dúvida, seu processo de integração à sociedade brasileira. Os japoneses pagaram um preço alto por viverem tanto tempo isolados. Só depois que seus filhos e netos começaram a estudar em escolas brasileiras, os muros da colônia foram derrubados. Já os dekasseguis brasileiros estão tendo a chance de não precisar esperar a integração dos seus filhos no Japão para melhorar as suas vidas. Podem começar agora mesmo.

Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil
Imigrantes no Brasil trabalharam nas lavouras, mudança de país em busca de uma vida melhor

Herança
Quem assistiu ao filme Gaijin , de Tizuka Yamasaki, ou mais recentemente Jin, Haru e Natsu, novela da NHK, sabe que o trabalho nas lavouras de café dos primeiros imigrantes era árduo, injusto e frustrante. O sonho de voltar enriquecido ao Japão foi se perdendo com o resultado das colheitas. Os cafezais, que eram chamados de árvores de ouro pelos agentes de imigração, eram velhos e pouco produziam. E o sonho foi sendo abandonado nas velhas casas de terra batida onde moravam.

Na quase impossível comunicação pelos idiomas tão diferentes, os casos de morte por subnutrição e malária foram freqüentes. E quando iam acertar as contas no armazém onde compravam mantimentos, descobriam que suas dívidas só aumentavam, o que obrigou muitos a fugirem da fazenda.

ReutersBrasileiros estão nas fábricas japonesas, mudança de país em busca de uma vida melhorEnfrentar as dificuldades exigiu dos imigrantes paciência, disciplina, perseverança e esforço, qualidades atribuídas aos descendentes até os dias de hoje. Sim, essas mesmas qualidades foram herdadas pela maioria dos brasileiros que trabalham hoje nas fábricas japonesas.

Podemos ter o orgulho de dizer que a história dos imigrantes é marcada por pessoas que não esmoreceram nos momentos mais difíceis da vida e ainda deixaram sua marca nos mais diferentes setores brasileiros: agricultura, cultura, culinária, esportes, artes, comércio, religião e indústria.
Integração
Mesmo com tantas histórias emocionantes de sucesso, um trágico episódio marcou a colônia japonesa na Segunda Guerra (1939- 1945). Naquela época, os japoneses ainda viviam completamente separados da sociedade brasileira. Por isso, quando o imperador japonês anunciou a rendição, a maioria dos imigrantes não acreditou que aquilo pudesse ser verdade.

Afinal, em três mil anos de história, o Japão nunca havia perdido uma guerra. A colônia japonesa ficou dividida entre os derrotistas (minoria esclarecida) e os vitoriosos (maioria que acreditava na vitória japonesa). Nesse clima confuso, surgiram grupos terroristas que falsificavam documentos para “provar” a vitória japonesa na guerra. Quem tentava falar a verdade era ameaçado de morte. O mais violento e famoso grupo foi a Shindo Renmei, que matou 27 pessoas e feriu outras 147. Naquela época, era grande o número de imigrantes que viviam há vários anos no Brasil, mas não falavam português. Eles ainda acreditavam que voltariam ao Japão…

O isolamento das colônias é apontado como uma das principais causas da tragédia. Esse doloroso episódio serve como um importante aprendizado aos brasileiros, pois mostra o quanto a integração à sociedade local é importante. Somente quando os filhos (nisseis) e netos (sanseis) passaram a estudar em escolas brasileiras conseguiram quebrar o muro da colônia japonesa. Os brasileiros no Japão também estão longe da integração.

Hoje, a comunidade é formada por 300 mil brasileiros, dos quais cerca de 50 mil já têm visto permanente. Ainda assim, a maioria não assumiu que é imigrante. Continuam acreditando que são dekasseguis. Sonham em voltar ao Brasil… um dia. O mais curioso é que os brasileiros já levam uma vida de imigrante. Casam, têm filhos que estudam em escolas japonesas e compram até casa própria. Mas ainda não assumem que vão ficar de vez. Quando você adquire consciência de que é imigrante – e não dekassegui – seus planos de vida mudam. Fica muito mais fácil viver o presente, sem ficar preso a um futuro que talvez nunca chegue.
Trabalho
Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil

Imigrantes japoneses almoçavam nas lavourasAssim como o trabalho nas lavouras de café evoluiu, a tendência é que as condições nas fábricas também sejam aprimoradas. O mercado de trabalho para os brasileiros passa por uma nova fase: a crescente profissionalização das empresas que empregam trabalhadores.

Com isso, os pré-requisitos para ser contratado também tendem a ficar mais rigorosos. Está ficando cada vez mais difícil arrumar um emprego sem saber o mínimo de japonês. Ainda que de forma indireta, até o mercado de trabalho está exigindo que os brasileiros comecem a se integrar à sociedade japonesa. Afinal, dominar a língua é a maneira mais eficiente de se integrar. Sem comunicação, não há integração. Integrar significa que estamos nos abrindo para aprender, entender e interagir com quem está ao nosso redor. Aprender japonês é uma dificuldade a mais a ser superada.

Mas permite ter um emprego melhor, conversar com o colega japonês, ler o manual de instruções de um aparelho eletrônico, perguntar ao médico na ida ao hospital. É ganhar acesso a um novo mundo, menos complicado de ser entendido. Não é fácil. Mas quem conhece suas origens sabe que nada foi fácil para os imigrantes. Eles superaram barreiras que pareciam intransponíveis. Lembre-se: são as nossas raízes que nos dão sustentação. E você tem duas. Fortes o suficiente para ajudá-lo a seguir